Por Audaci Jr 
Durante a Era de Ouro das corridas de 
cavalo, os porões do Jockey Clube continham muitos mistérios. Golpes, 
subornos, intrigas, morte, sorte e azar.
O segredo dos delírios de um homem está 
por trás daqueles portões, como também a chance de redenção de um jovem 
negro que sempre se considerou um azarão, a provação do amor de um casal
 que nunca pôde decidir o seu destino e alguém extremamente perigoso por
 sua obsessão pela sorte.
O acaso está lançado quando a vingança 
vem a galope. O cenário é o Jockey Clube de uma metrópole dos anos 1940 
que remete à capital paulista, oferecendo todo o clima pulp extraído em profusões da veia do noir, tendo como base as corridas de cavalo.
O que mais chama a atenção em Jockey
 é a forma como Rafael Calça e André Aguiar estruturam a história, com 
uma economia de balões e recordatórios que abre espaço para um intricado
 jogo envolvendo propina, máfia e um inusitado toque fantástico em meio 
aos diálogos bem escritos e cheios de personalidade.
Em muitas sequências, o álbum enquadra 
na sua funcional e equilibrada diagramação uma narrativa altamente 
cinematográfica, a exemplo de uma perseguição automobilística, a fuga 
ligada ao sobrenatural e o embate físico de antagonistas galopando 
dentro do hipódromo.
Na obra, homens da lei corruptos, um 
jornalista sem ética prestes a perder a cabeça, um libidinoso político 
com duas-caras, o honesto jóquei negro que sofre preconceito, o detetive
 azarado que vira herói, um louco homicida que bate papo com o espírito 
de um cavalo, amores proibidos e uma seita de gângsteres com direito a 
cabeça decepada de cavalo, uma referência (de certa forma) ao clássico O Poderoso Chefão (1972), filme de Francis Ford Coppola baseado no romance de Mario Puzo (1920-1999).
Nesse desfile de personagens, os autores
 vão cravejando várias dúvidas e mistérios nas histórias paralelas que 
serão amarradas à medida que a HQ se aproxima do fim.
Antes de as tramas se cruzarem, uma 
série de eventos cai sobre os personagens, sejam as ações orquestradas 
pelo mero acaso do destino, ou movidas pelo planejamento violento da 
vingança guardada há um tempo equivalente ao azar de um espelho quebrado
 ou ainda por uma conspiração arquitetada pelo estranho e ganancioso 
culto.
É citada por essa seita a divindade 
bélica da mitologia lusitana chamada Cariocecus, o equivalente a Marte e
 Ares para as crenças romana e grega, respectivamente. A doutrina 
chegava a sacrificar prisioneiros de guerra e cavalos.
Ainda no plano místico, algumas vezes é 
tocado no conceito da Roda da Fortuna, carta do tarô que é uma das mais 
expressivas da sorte, mudanças e oportunidades, o movimento perpétuo da 
vida e do destino. Ela representará a boa ou a má sorte, dependendo de 
decisões e atitudes, motes também da HQ.
Por ser climatizado com as penumbras do noir, Jockey possui um humor negro em uma ou outra situação. Já a figura da femme fatale
 se resume praticamente às curvas desnudas no traço de André Aguiar em 
poucos momentos. Inusitadamente, a personagem feminina que tem mais 
importância na trama não carrega essa característica, apesar da sua 
última aparição.
A arte cheia de hachuras casa bem com a 
narrativa de cores sombrias e pesadas. Os desenhos de Aguiar fazem 
lembrar a escola europeia, principalmente aos nomes franceses como 
Christophe Blain, autor de Isaac, o pirata (cujo primeiro volume foi lançado no Brasil em 2005 pela Conrad).
Com cenas abertas, há passagens que 
impressionam pelo requinte técnico. Dentre os destaques, o quadrinhista 
“esculpe” as feições de um dos protagonistas nas sombras usando apenas o
 efeito das hachuras.
Ambos paulistanos, André Aguiar é autor da independente Velhaco’s (2014), HQ que envolve skate punk num futuro distópico; e Rafael Calça participou de coletâneas como o Front # 17 (Via Lettera, 2006), além de ter lançado seu primeiro trabalho solo, Dueto (2013), uma love story entre um lobisomem e uma cantora paraplégica.
O projeto foi contemplado pelo Programa de Ação Cultural da Secretaria de Cultura de São Paulo – ProAC para criação de quadrinhos. A edição da Veneta tem formato 21 x 28 cm, capa dura e uma impressão irregular no papel offset.
Jockey faz a sua “dança da 
sorte” bem antes do joguete com seus personagens, já na epígrafe que faz
 uma homenagem ao famosíssimo tango Por una cabeza, música de 
Carlos Gardel (1890-1935) com letra de Alfredo Le Pera (1900-1935). Uma 
das últimas parcerias dos artistas latino-americanos, mortos no mesmo 
desastre de avião.
Do que trata o popular tango? O vício da corrida de cavalos e a atração por mulheres. Seja como for, a Roda da Fortuna gira…
Título: Jockey
Autor: Rafael Calça e André Aguiar
Páginas: 136 • Formato: 21 x 28cm •
Acabamento: capa dura •
R$  49,90
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(Resenha publicada originalmente no site Universo HQ  )
 










 
 
 
 
 
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