terça-feira, 6 de outubro de 2015

Leituras Dramáticas


                                                                           Adriano Franco - Crédito Foto
Quando adolescente, fiquei ciente que em alguns eventos literários o autor realizava audições, ou seja, lia um capítulo ou algumas páginas do livro recém-lançado. Com isso, era estabelecida uma conexão mágica entre público e escritor. Nos meus pensamentos juvenis, sempre ficava imaginando como seria aquele momento em que o escritor dava vida aos seus personagens por meio de sua própria voz, reproduzindo as alegrias, tristezas, inseguranças e reflexões de cada um deles.


Assim, ao iniciar as produções de sessões de autógrafos em 2010, sempre ecoavam em minha mente a vontade de realizar algo no estilo. Então, em 2014, mais precisamente em 21 de novembro, o quadrinista Luciano Salles realizou na Café da Usina Cultural Energisa a primeira leitura dramática ao ler as 10 primeiras páginas do aclamado álbum "L'Amour 12oz" (Editora Mino), no bate-papo batizado pelo jornalista Audaci Jr. de "No Ringue com L'Amor". A experiência me conquistou e foi incrível ver como as pessoas presentes reagiam ao ouvir a criatura ganhar voz pelo seu criador.


Particularmente, eu esperava ansiosamente para repetir a dose com outro quadrinista. Então, em 10 de abril do ano seguinte, veio Marcello Quintanilha e seu arrebatador "Talco de Vidro" (Editora Veneta). Uma narrativa que apresenta como a inveja pode ser destruidora em nossas vidas e mais aterrorizante: como ela é presente ao nosso redor! Quintanilha fez seu espetáculo e as 20 primeiras páginas do álbum fisgaram a todos! O silêncio do público pairava no ambiente, olhos e ouvidos totalmente sincronizados e sintonizados naquelas páginas que atingiam seus corações e cérebros.


Mas a tarefa de produzir algo é uma tarefa viciante e particularmente tinha o desejo de produzir algo diferente. Ao pensar em realizar a audição do álbum de terror psicológico "Lavagem", do quadrinista Shiko, não queira que fosse uma leitura dramática realizada pelo autor, mas sim, outra experiência. Quem sabe algo mais voltado ao teatro – pensei. Com isso, veio-me a mente apenas um nome: Manu Coutinho, que – apesar de querer ser conhecida apenas como contadora de histórias – é uma grande atriz. Convidei-a para batermos um papo sobre o que eu imaginava para esta "leitura". Obviamente ela veio com inúmeras ideias que foram moldadas e transformadas na alma do que realizado.


Então, chega de conversa e vamos ao resultado, o qual se encontra no vídeo abaixo, pois a estrada é longa e ainda temos muitas leituras para realizar!




Se você não conseguir visualizar o vídeo, clique aqui

segunda-feira, 5 de outubro de 2015

A boca quente vol 1, de Shiko




Na sintonia radiofônica da “Boca Quente da madrugada”, o apocalipse se instaura na Interzona: misteriosos assassinatos são cometidos por uma incendiária, nos quais os “possantes” das vítimas são levados; detetives fazem roleta russa esvaziando o tambor da sua libido nos cabarés e denúncias anônimas são feitas na estação central.

Arrancadas de Chevrolet El Camino, planos abertos, palavreado digno das pornochanchadas e sequências cinematográficas de pirotecnia são montadas por Shiko na sua primeira série em quadrinhos, remetendo aos fanzines que fazia nos anos 1990 como o Marginal, feito em limitadíssimas tiragens fotocopiadas.

Nesse curto espaço de páginas, o quadrinhista vai soltando ideias e cordas que vão ser amarradas mais à frente, nos próximos números, o que atiça a curiosidade do leitor pelas dúvidas colocadas pelas aparições de personagens ou ações em aberto.

Em virtude disso, ainda não dá para se ter um julgamento justo da obra, apesar da sua qualidade por meio dos desenhos realistas e detalhados do autor, sua narrativa dinâmica e sua pegada pulp, com direito a narrador em off e várias referências cult.

Percebe-se no zine reverências literárias como ao romance Almoço Nu, do escritor norte-americano William S. Burroughs (1914-1997). A obra beat chegou a ser adaptada para o cinema pelo canadense David Cronenberg em 1991, sob o título de Mistérios e Paixões.

Dentre outras referências ligadas ao cinema, Shiko pega o mote de um premiado curta-metragem de 16 mm que partiu de um roteiro seu: Cão Sedento (2005), dirigido por Bruno de Sales. Na produção paraibana, uma prostituta seduz os clientes para conseguir roubar seus carros. As vítimas são mortas e incineradas.

Para o leitor mais atento, A boca quente traz ainda menção ao longa O Profissional (1994), do francês Luc Besson.

Nos detalhados e sujos cenários, o autor traça várias linhas do tempo arquitetônicas que vão desde metrópoles estrangeiras como Nova York, cidades brasileiras como João Pessoa e elementos futuristas que marcam a atemporalidade na geografia do seu universo ficcional.

Sintonizando com o tema, a bem-vinda pornografia se destaca nas páginas deste número de estreia. O que Shiko faz graficamente casa de forma perfeita com a narrativa rasteira e em tom vulgar de uma espécie de “cordel erótico”.

A edição independente tem capa cartonada sem orelhas, formato 19 x 27 cm, papel pólen com boa gramatura e impressão. O escorregão ficou por conta de uma revisão, principalmente na pontuação do texto.

Duas sensações permanecem depois de ler o gibi. A primeira é a constatação de ser realmente um fanzine, algo feito com a paixão fervorosa de um fã usando sua bagagem cultural; a segunda é a ansiedade de contemplar o quadro marginal concebido pelo quadrinhista por inteiro.



A boca quente vol 1
Autor: Shiko
Formato: 19x27cm  - Miolo em p7b
R$ 20,00
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(Resenha publicada originalmente no site Universo HQ )