Por Renato Félix*
Fritz Lang fez em 1952, há 70 anos, este faroeste em Technicolor, estrelado pela lenda Marlene Dietrich: “O Diabo Feito Mulher”, um dos clássicos da RKO no catálogo da HBO Max. Aos 50 anos, a alemã é Altar Keane, uma ex-vedete que agora dirige um rancho onde dá emprego e abrigo a tipos fugidos da polícia. E que se vê dividida entre dois homens.
Mas ela vai entrando em cena aos poucos: a história começa por Vern (Arthur Kennedy), cuja noiva é barbaramente morta em um assalto. Em busca de vingança, ele rastreia o assassino e a melhor pista diz respeito a Altar Keane, cuja história ele vai conhecendo a cada pessoa com quem ele vai conversando.
Até finalmente chegar ao rancho, junto com Frenchy (Mel Ferrer), o amante de Altar, a quem ele ajudou a fugir da cadeia. Assim, ganha um emprego, mas também fica fascinado pela mulher do novo amigo.
O carisma sedutor de Dietrich vinha fazendo sua carreira desde os anos 1930. Enigmática, petulante, dona de si, e com aquelas pernas, ela foi moldada pelo cineasta alemão Joseph von Sternberg a partir de "O Anjo Azul" (1930), em Berlim, e depois na carreira que ambos construíram juntos em Hollywood, com mais seis filmes juntos.
A atriz aprendeu direitinho e continuava querendo que a forma com que era enquadrada e iluminada por Sternberg para criar sua aura fosse usada – no caso, por Lang e seu diretor de fotografia, Hal Mohr. Isso causou tensão nas filmagens, mas, de uma maneira ou outra, o charme de Marlene está no filme.
Como o público vê o assalto fatal no começo do filme, o mistério fica por conta de como Vern vai descobrir quem é o assassino. E com quem Marlene Dietrich vai ficar no final. A paquera com Arthur Kennedy tem destaque, inclusive copiando o truque de acender dois cigarros ao mesmo tempo e oferecer um deles à parceira, que havia ficado icônico dez anos antes em "A Estranha Passageira" (1942).
A extrema obsessão de Vern se justifica: sua noiva não foi "só" morta, também foi estuprada. Isso não podia ser contado claramente na Hollywood da época, mas fica subentendido pelos lances de narrativa: o grito dela ouvido do lado de fora da loja, pela frase do médico ('Ela não foi poupada de nada") e pelo enquadramento de sua mão morta, em posição de quem lutou contra a agreessão.
Outra questão narrativa é a canção que vai intercedendo na trama, fazendo as vezes de narração. Segundo o American Film Institute, a primeira vez que um filme americano usou uma canção dessa forma ("Do not forsake me, oh, my darling", em "Matar ou Morrer", do mesmo ano, é usada de maneira semelhante, embora não tão ostensiva como aqui).
A verdade é que é um pouco difícil se acostumar com essa intervenção, mas ela começa já nos créditos iniciais, antes mesmo da trama começar, então faz sentido, de qualquer forma.
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Cena do filme "O Anjo Azul" |
Não faz sentido, mas até aí também não faz o título original, "Rancho Notorious". A expressão não é usada no filme e o título foi imposto na RKO por Howard Hughes, que não aceitou a ideia de Lang de chamar o filme de "Chuck-a-Luck" (um jogo de roleta e o nome que a personagem de Marlene dá a seu rancho). Mas em questão de créditos, isso é o de menos. Muito pior é o nome de Lloyd Gough (nada menos que o ator que faz o estuprador assassino) ser retirado dos créditos do filme porque entrou para a lista negra de Hollywood por ter se recusado a delatar colegas na paranoia anticomunista daqueles tempos.
Direção: Fritz Lang. Roteiro: Daniel Taradash, a partir de argumento de Silvia Richards. Elenco: Marlene Dietrich, Arthur Kennedy, Mel Ferrer, Lloyd Gough, William Frawley, Jack Elam, George Reeves.
Onde ver: HBO Max
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