terça-feira, 8 de março de 2022

‘Ataque dos Cães’: A máscara da brutalidade

Por Renato Félix*

ATAQUE DOS CÃES

⭐⭐⭐⭐
Diário de Filmes 2022: 10
Onde ver: Netflix.

A máscara da brutalidade

O velho oeste americano sempre foi mostrado como um local para os durões. E o cinema clássico já mostrava algumas vezes que a fragilidade sofre nesse ambiente. Por exemplo, em O Homem que Matou o Facínora (1962), de John Ford, onde James Stewart era o advogado pacífico que passava maus bocados nas mãos do bandidão vivido por Lee Marvin.

Ali o faroeste já vinha começando um aspecto revisionista que nunca mais pararia. Isso ampliaria seu arcabouço temático, para além de tiroteios entre xerifes e bandidos ou exército e nativos. E leva a um filme como Ataque dos Cães, que aborda a questão da homossexualidade nesse cenário de uma maneira razoavelmente sutil.

Aliás, chamar de “faroeste” pode ser impreciso. O gênero costuma obedecer a certos aspectos muito precisos e restritos, começando pelo espaço e pelo tempo. São histórias que se passam em uma certa região dos Estados Unidos, em um período de tempo localizado na segunda metade do século XIX.

Ataque dos Cães se passa no estado de Montana, mas o ano é 1925, bem depois do período clássico do western. Mas o filme da neozelandesa Jane Campion se passa numa região tão remota, que muita coisa do velho oeste persiste ali.

O ambiente é hostil para homens frágeis, delicados ou, “pior” ainda, homossexuais. O filme, então, contrapõe o vaqueiro Phil Burbank, vivido por Benedict Cumberbatch, e o jovem Peter Gordon (Kodi Smit-McPhee). Filho da dona de um restaurante, a viúva Rose (Kirsten Dunst), o rapaz parece completamente deslocado por ali. Phil, por outro lado, tem uma ligação umbilical com aquele estilo de vida e rejeita até os anseios do irmão e sócio, George (Jesse Plemons) por civilização. Para Phil, a vida a ser vivida é bruta, suja e selvagem.

Acontece que George se casa com Rose. A convivência de mãe e filho com Phil é problemática desde antes do começo. É uma disputa por filosofias de vida, mas também por espaço e por controle. Há uma cena emblemática: a mulher tenta a duras penas ensaiar uma música ao piano para uma recepção chique e Phil, de seu quarto, a humilha executando a mesma música com toda a habilidade em seu banjo. Marcando explicitamente o território.

Mas a presença mais constante de Peter acaba fazendo com que Phil se aproxime dele. Todos têm aspectos pessoais que preferem guardar para si e Campion vai aos poucos e sem pressa expondo essas cartas para nós e para os outros personagens.

A sutileza da diretora, emoldurada por imagens belíssimas da paisagem de vastos campos e montanhas ao fundo, não esconde o drama da dificuldade de forjar uma identidade em uma sociedade que insiste que você construa uma máscara. Que, algumas vezes, é a da brutalidade.

The Power of the Dog, 2021.
Direção: Jane Campion. Roteiro: Jane Campion, baseado no romance de Thomas Savage. Elenco: Benedict Cumberbatch, Kirsten Dunst, Kodi Smit-McPhee, Jesse Plemons, Keith Carradine.

**********


Texto extraído do blog Boulevard do Crepúsculo
de autoria do jornalista, Renato Félix.

0 comentários:

Postar um comentário