Então, nos últimos meses, tivemos acesso ao filme Quarteto Fantástico: Primeiros Passos, longa que finalmente vai inserir a Primeira Família do Universo Marvel em seu universo cinematográfico.
E a bem da verdade, já não era sem tempo.
Ainda que não tenha hoje o mesmo peso que outras grandes equipes da editora, como os X-Men (e, mais recentemente,os Vingadores), ou personagens mais populares, como o Homem-Aranha, o Quarteto é uma peça vital para o que foi a revolução dos quadrinhos promovida pela Marvel Comics, ainda na década de 1960, naquela pode ter facilmente sido uma das maiores reviravoltas dos comics.
Afinal, como apresentado por Pedro Hunter, em seu artigo de 2015 para o Omelete:
“O dono da Marvel, Martin Goodman, jogava uma partida de golfe com Jack Liebowitz, um dos donos de sua grande rival, a DC Comics. A falência de sua distribuidora, anos antes, deixara a editora sem um meio de colocar suas revistas à venda e Martin teve de se submeter a um acordo humilhante com a DC, que passou a distribuir as revistas da Marvel, impondo a esta um limite de oito títulos por mês. A outrora poderosa Marvel (ou Atlas ou Timely, nomes que a editora de Goodman usou em alternância até os anos 1960) estava em ruínas e Liebowitz aproveitou a ocasião para tripudiar de Goodman, comentando como a nova série de sua editora, Liga da Justiça, vendia bem, usando o expediente simples de juntar todos os maiores heróis da DC em um título só. Goodman decidiu então aproveitar-se da ideia e fazer um título similar na Marvel.”
A execução de tal ideia coube ao sobrinho de Goodman, Stanley Martin Lieber, mais conhecido como Stan Lee (1922-2018), que recrutou o artista Jack Kirby (1917-1994) que, em novembro de 1961 apresentaram a jornada de um grupo de exploradores que, em seu desejo de vencer os russos na corrida espacial, como era a praxe no período da da Guerra Fria (1947-1991), roubam um foguete para alcançar a Lua. O que encontram, porém, é uma tempestade de raios cósmicos que afetam o grupo de maneira fantástica.
Reed Richards, grande mente por trás da construção da nave e do lançamento, ganha os poderes de elasticidade, podendo esticar e moldar seu corpo ao bel prazer. Sue Storm, noiva de Reed, ganha o incrível poder da invisibilidade e a capacidade de criar campos de força. Johnny, irmão mais novo de Sue, pode se transformar no Tocha Humana (poderes autoexplicativos aqui). E, por fim, temos Benjamin Grimm, melhor amigo de Reed e piloto da nave que, ao ser atingido pelos raios cósmicos, se transforma no Coisa, um humanoide de pedra com força e resistência sobre humana.
Assim reunidos, os quatro decidem usar seus poderes para o bem, auxiliando a humanidade como a equipe que viria a ser conhecida como Quarteto Fantástico, dando início a Era Marvel dos Quadrinhos.
Afinal, foi nas páginas do Quarteto que Lee e Kirby primeiro deram forma ao super-herói moderno, adicionando problemas e conflitos cotidianos no caminho dessas maravilhas contemporâneas. Como exemplo, já nas primeiras 10 edições da revista, acompanhamos as brigas incessantes entre o Coisa e o Tocha Humana, as crises de relacionamento entre Reed e Sue, e até mesmo problemas financeiros, com a equipe tendo que arranjar empregos para poder pagar as contas do Edifício Baxter, dando ao fantástico universo da equipe um ar bastante próximo aos problemas que seus próprios leitores conheciam, em uma fórmula que viria a ser levada à perfeição alguns anos depois, nas aventuras do Homem-Aranha.
É claro que não foram apenas crises e problemas que se apresentaram para a equipe. De fato, momentos felizes foram também apresentados, como o casamento de Sue e Reed Richards, o nascimento de Franklin, o desenvolvimento do relacionamento de Ben Grimm com a escultora Alicia Masters, solidificando ainda mais a dinâmica que, desde o princípio, diferenciou o Quarteto das demais super equipes: a conexão familiar.
Pois esta é uma das grandes verdades por trás da equipe: o Quarteto é, antes de qualquer coisa, uma família. E, como família, atravessaram juntos o melhor e o pior. Dos momentos de felicidade aos de tristeza, a unidade dessa família peculiar permanecerá sempre, se estendo até mesmo para os seus convidados e membros substitutos.
Uma outra grande verdade por trás da equipe, está no fato deles serem exploradores acima de tudo. Sim, antes de heróis que cruzam o mundo em busca de ação, o Quarteto é uma família de exploradores sempre em movimento, explorando não apenas os mistérios da terra, mas também do próprio universo. De fato, tanto é que muito da expansão do Universo Marvel foi proporcionada pelo Quarteto que introduziram as páginas dos quadrinhos seres vindos do longínquo espaço sideral, como os Skrulls, os Kree, Galactus, Surfista Prateado e o Vigia, assim como seres escondidos nos confins da própria Terra, como os Inumanos e o mundo subterrâneo do Toupeira. Isso para não mencionar os espaços interdimensionais, como a Zona Negativa, governada pelo Aniquilador, ou o Microverso e a ameaça do Homem-Psíquico.
Isso, é claro, sem mencionar a criação de um dos maiores antagonistas dos quadrinhos, Victor Von Doom, mais conhecido como Dr. Destino, possível tema para um outro texto.
Assim, tendo em vista o grande papel da equipe no Universo Marvel, seria de se esperar que o mesmo tivesse um papel mais ativo na mídia mas, ainda assim, esse não foi o caso. Ausente durante praticamente todo o desenvolvimento do UCM, a equipe também se viu sumindo das demais mídias, como animações, videogames e até mesmo quadrinhos, em um exílio iniciado em 2015, e que só começou a ser revertido em 2018.
Nesses 3 anos de banimento, no entanto, a Primeira Família da Marvel teve sua participação restrita a revistas de outros grupos e personagens, e, mesmo assim, quase nunca em sua formação completa, com membros da equipe sendo integrados a outras equipes, como no caso do Coisa, que passou a fazer parte dos Guardiões da Galáxia.
O que teria motivado esse movimento de apagamento da equipe? Basicamente ganância corporativa. Segundo rumores de dentro da indústria, uma vez que os direitos do Quarteto se encontravam com a Fox, a publicação de revistas da equipe seriam “propaganda para a concorrência”. Ainda que possa parecer um motivo um tanto quanto inusitado, não parece de todo irreal, como prova a persistência da Marvel em tentar popularizar os inumanos no lugar dos mutantes - estes pertencentes a uma outra franquia de posse da Fox.
Desde o fim desse banimento, porém, o Quarteto tem voltado a marcar presença, tanto nos quadrinhos, em fases extremamente elogiadas, como a de Ryan North, como nos videogames (Marvel Ultimate Alliance 3 e Marvel Rivals) e, agora, finalmente de volta aos cinemas, mas, desta vez, pelas mãos da própria Marvel, em algo que, talvez, possa ser o começo de uma nova Era para o UCM.
E uma Era trazida pela mesma equipe que, lá na década de 1960, abriu as portas daquilo que veio a se tornar o Universo Marvel.